Por Fátima Cardoso*
Maneca é viúvo há muitos anos, mora com a filha caçula, Guiomar. Trabalha no seu próprio bar e seus fregueses são os pescadores. A rotina deles é passar no bar do Maneca para tomar uma boa cachaça. Cada um com sua justificativa para beber. Uns para abrir o apetite, outros para tirar o frio do corpo molhado depois da pesca. Essa é a rotina dos homens da Figueira, no município de Laguna.
É tradição, uma vez por mês, ter baile no Parobé, localidade vizinha. Sábado as moças limpam a casa mais cedo para cuidarem da beleza, à tarde, nos preparativos para o baile. As amigas se reúnem para pintar as unhas uma da outra, passar a melhor roupa, fazer touca nos cabelos para ficarem lisos. Entre risos, fazem planos com quem querem dançar e namorar no baile.
Maneca, como de costume, chega em casa bêbado no início da noite. Encontra Guiomar toda bonita, pronta para o baile!
– A senhora não me saia de casa, diz ele com a voz cortada pela dormência da língua, apontando o dedo torto pela artrite em direção do nariz da filha. Nada de ir no baile hoje.
– Mas pai, todas a minhas amigas vão. Dona Rosalina vai junto pra cuidar de nós.
– Não e não, grita ele, explodindo saliva.
Maneca cambaleia até sua cama e senta-se nela. Puxa a bota do pé, mas cai pra trás. Ali mesmo dorme um sono profundo.
Guiomar espera até ter certeza de que seu pai não vai acordar.
Puxa a coberta carinhosamente sobre os ombros dele. Sai sem fazer barulho.
A noite está escura, quando as amigas se encontram na frente da igreja, a fim de irem a pé ao baile, no Parobé.
A caminhada é longa, mas divertida.
– Guiomar, te esconde, diz dona Rosalina, indo ao encontro dela no meio do salão. Teu pai está aí, te procurando.
– Meu pai? Ele acordou!
– Melhor ires com ele, ou haverá um grande escândalo!
– Ah, tu tá aqui, Guiomar. Vamos já pra casa, diz o velho Maneca, enfurecido.
Os amigos dela acalmam o velho. Afinal, essa cena é reincidente.
– Vou com o senhor, meu pai. Você vem comigo, Lurdes?
– Vou sim, responde a amiga, que dá uma piscadela para Guiomar.
Maneca caminha cambaleando estrada afora, com a lamparina de querosene acesa para iluminar o caminho escuro. De vez enquanto ele se vira para vê-las, mas elas aos poucos vão se distanciando. Ele continua sua caminhada, resmungando palavras indecifráveis.
Guiomar e Lurdes param de caminhar até o velho Maneca ficar longe da visão delas. Ficam paradas conversando por um tempo, na certeza de que ele não vai voltar.
Maneca chega em casa, ainda resmungando para a filha dormir. Ele se joga na cama e adormece tranquilo, na certeza de que a filha o acompanhou até em casa.
Guiomar e Lurdes voltam para o baile e dançam até de manhã.
*Fátima Cardoso nasceu em Criciúma e mora em Joinville desde 1974. Na infância suas palavras formavam poesias, sem nem mesmo conhecer o gênero. Escrever é seu refúgio no tempo! Integra a Confraria do Escritor e é cofundadora da Associação das Letras. Participou das antologias Show das Dez, a Ilha e de todas as antologias e miniantologias publicadas pela Associação das Letras, num total de 17 publicações. Obras publicadas: “Pedra Falsa” (poemas, 2007) e Devaneios (poemas, 2014).